10 curiosidades sobre o boicote a produtos testados em animais



Uma das características mais conhecidas do veganismo é seu boicote a produtos testados em animais. Acredita-se muito que, se um número suficiente de pessoas deixar de consumir tais tens, os testes em animais serão abolidos, já que futuramente nenhuma empresa aceitará continuar colocando sua imagem institucional em risco com tais procedimentos. Mas pouca gente, ainda, percebe que o boicote vegano tanto é insuficiente para a abolição da exploração animal como é impossível de ser praticado perfeitamente.

Para esclarecer isso, vale trazer e descrever dez curiosidades sobre os limites do boicote a produtos submetidos a tais testes, e sobre a necessidade de você fazer seu veganismo transcender o simples hábito de consumo:

1. O veganismo, se tomado como mero hábito de consumo, não é perfeito. Nenhuma pessoa pode boicotar completamente todo e qualquer produto testado em animais.

Há diversos produtos que, de tão necessários para a sociedade moderna e até mesmo para a vida humana, são impossíveis de serem evitados. Desde alimentos até combustíveis, passando pelo tão conhecido caso dos medicamentos, foram ou ainda são, de tempos em tempos, testados em animais.

São itens que, se a pessoa boicotar – ou mesmo tentar utilizar menos –, não conseguirá viver minimamente bem na cidade ou no campo, ou mesmo colocará sua vida em risco. Alguns deles são descritos nos itens a seguir.

2. Remédios não podem ser boicotados.

A crença do senso comum de que vegans evitam tomar remédios convencionais é falsa. É inviável boicotá-los. Em situações de sofrimento e/ou risco de morte, eles serão muito necessários, muitas vezes não podendo seu consumo ser negado.

Por exemplo, pessoas com doenças crônicas, como diabetes, depressão, síndrome de Tourette, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e hemofilia não podem dispensar o uso de medicamentos, sob pena de uma vida de muito sofrimento ou mesmo de correr risco de morte.

Mesmo problemas como gripe, dor forte de cabeça, tosse excessiva, febre e feridas na pele muitas vezes não contam com alternativas (ervas medicinais, terapias distintas da medicina ocidental etc.) tão eficazes e acessíveis quanto a medicação convencional para serem aliviados ou curados. E mesmo essas alternativas, como será visto a seguir, não são propriamente livres de crueldade.

Afirma-se que a alimentação vegetariana (estrita), por ser mais saudável do que a que contém derivados animais, pode diminuir a quantidade total de medicamentos a ser consumida ao longo da vida do indivíduo. Mas esse é o limite, não sendo possível um boicote declarado a tais produtos.

3. Até terapias medicinais alternativas, como florais, homeopatia e medicação com chás, foram testadas em animais algum dia. Ou pior, há menos anos atrás do que se imagina.


Não adianta fugir dos remédios convencionais para terapias como a homeopatia, os florais de Bach ou as ervas caseiras, se a intenção for evitar produtos testados em animais. A medicina alternativa também teve, e ainda tem ocasionalmente, sua eficácia (ou falta dela) tortuosamente testada em cobaias.

Como exemplos, temos estudos de experimentação animal com homeopatia (exemplo 1,exemplo 2, exemplo 3, exemplo 4), florais (exemplo 1, exemplo 2), ervas medicinais (exemplo 1, exemplo 2, exemplo 3, exemplo 4, exemplo 5), Reiki (exemplo 1, exemplo 2), entre outras terapias.

Assim sendo, em se referindo a tratamentos de doenças, dores e outros problemas, as terapias alternativas acabam não sendo isentas de serem submetidas a testes com violenta exploração animal.

4. Até alimentos vegetais básicos, como cenouras, tomates e feijões, tiveram seus efeitos positivos ou negativos para o organismo humano testados em animais.
Nem tratamento terapêutico, nem prevenção baseada em alimentos saudáveis. Ambos não estão livres da sombra dos testes em animais. Alimentos ou substâncias presentes em algum deles também são, com certa frequência, testados em cobaias, visando-se verificar, por exemplo, seu efeito de aliviar doenças crônicas e dores agudas.

Exemplos não faltam por aí. Castanha, cogumelo, bardana, cenoura, feijão preto, soja,castanha-do-pará, tomate, entre tantos outros, tiveram seus efeitos à saúde testados em camundongos, ratos e outros animais ditos “de laboratório”.

5. Combustíveis também são testados em animais.

Indispensáveis para a sociedade moderna, os combustíveis também passaram, e talvez ainda passem de tempos em tempos, por testes de segurança em animais. Aqui vê-se exemplificar o teste de três combustíveis numa mesma pesquisa em camundongos.

Além disso, eventualmente pode-se ver avisos em postos de combustíveis sobre os vapores de combustível terem efeitos devastadores verificados em animais em pesquisas laboratoriais.

6. Muitos ingredientes utilizados hoje por indústrias que atualmente não realizam nem subsidiam testes em animais foram testados de maneira cruel no passado, por outras empresas.

A grande maioria dos ingredientes hoje presentes em produtos veganos tem um passado violento. Foram, décadas ou até poucos anos atrás, testados em animais, tendo sido os resultados das cruéis pesquisas guardados em arquivo para que não seja necessário repeti-los no futuro. Assim sendo, muitas empresas, mesmo não realizando nem subsidiando mais testes em animais atualmente, usam tais substâncias em seus produtos.

Porém isso não é motivo para boicotá-las. O que realmente importa é que elas não compactuam hoje com pesquisas em animais, como é descrito a seguir.

7. O boicote vegano a produtos substituíveis testados em animais não tem efeito retroativo.

Na curiosidade anterior, falou-se sobre ingredientes que foram testados em animais anos ou décadas atrás. Em relação a eles, não se pode fazer nada hoje, já que o passado não pode ser mudado. As cobaias torturadas e mortas não podem ser rematerializadas e ressuscitadas. O que importa é se as empresas que os usam promovem ou pagam testes cruéis ainda hoje ou não.

O veganismo determina o boicote a empresas que ainda não deixaram de testar produtos e/ou ingredientes em animais. Se a companhia não compactua mais com tais procedimentos – e não é envolvida, por exemplo, com patrocínio a rodeios ou exploração humana –, ela não precisa mais ser boicotada, mesmo que use ingredientes que foram testados em cobaias, digamos, 15 anos atrás.

Portanto, se você usa um xampu cujos ingredientes haviam sido testados em animais décadas atrás mas agora não tem nenhum ingrediente de origem animal e é produzido por uma empresa que já abandonou os testes com cobaias, você não deixa de estar usando um produto vegano.

8. Há estratégias alternativas para exigir o fim dos testes em animais para produtos que hoje não dispensam esse tipo de procedimento.

Para os itens para os quais não há hoje métodos de teste que substituam completamente o uso de animais, vale transcender o hábito de boicotar. Há várias alternativas de militância anti-testes em animais possíveis, destacando-se as seguintes:
a) Estudantes de cursos que hoje têm a tradição de envolver pesquisas em animais, como Medicina, Biomedicina e Medicina Veterinária, assim como alunos de cursos que mesclam Engenharia com algum ramo (bio)medicinal, pesquisarem e desenvolverem métodos alternativos/substitutivos de pesquisa de medicamentos e terapias alternativas e/ou testes de segurança de outros produtos industrializados;
b) Pensadores dos Direitos Animais escreverem livros problematizando as ciências experimentais vivisseccionistas, em campos de conhecimento como a Ética, a Filosofia da Ciência e a Biologia;
c) Realização de eventos (congressos, conferências, simpósios, palestras, debates etc.) sobre uso de animais em pesquisas científicas e testes industriais;
d) Realização de protestos nas universidades que exploram animais e nas sedes ou filiais de empresas que relutam em abandonar os testes cruéis.

Afinal, como diz a próxima curiosidade…

9. O veganismo vai além de boicotar produtos com ingrediente(s) de origem animal e/ou testados em animais

Veganismo que se restringe ao boicote a tais produtos é um mero veganismo de não agressão, que restringe o indivíduo a meramente, e incompletamente, não participar da exploração animal. O veganismo propriamente dito, aquele que é a manifestação prática do abolicionismo, busca transcender os limites nos quais o hábito de consumo antiespecista esbarra.

Portanto, como consciência ética que visa a luta pela abolição da escravidão animal, ao invés da mera não participação individual, o veganismo abolicionista, de libertação, induz o indivíduo a “dar seu jeito” de, por exemplo, aumentar a população vegana do Brasil e do mundo, fazer pressão ativa – ao invés de ser meramente um cliente a menos – para as empresas abandonarem de vez os testes em animais, reivindicar abertamente a expansão de estabelecimentos alimentícios veganos pelo país – o que ajuda a quebrar a resistência de quem já simpatiza com o veganismo mas ainda tem medo de não ter onde comer fora –, ajudar a reforçar a teoria vegano-abolicionista e amadurecer o movimento brasileiro defensor dos Direitos Animais, entre outras posturas politicamente ativas.

10. O boicote vegano, quando adotado de forma isolada, não acompanhado de táticas de ativismo abolicionista, é menos que insuficiente para promover a libertação animal.
Como dito acima, o veganismo que se restringe ao boicote daquilo que pode ser boicotado é meramente de não agressão, uma maneira conservadora de o indivíduo limpar a consciência e tocar sua vida para frente. Pouco ou nada influencia para libertar os animais da opressão humana.

O vegan que faz apenas um boicote silencioso, por mais que ache estar ajudando a esvaziar a clientela de empresas não veganas, é facilmente compensado, por essas companhias, por novos clientes não veganos, através de estratégias de marketing como a publicidade e a redução promocional de preços. Ou seja, em praticamente nada adianta só evitar o consumo de determinados produtos, se nenhuma ação abolicionista é tomada para transformar essa evitação em postura ativista que reivindique o fim dos testes em animais e de todas as demais formas de exploração animal.

Portanto, não desanime por causa da existência de produtos não veganos que você não pode hoje boicotar. Tampouco desista do veganismo achando que ele é “inviável” por não ser perfeito. Pelo contrário, procure outros meios de promover o abolicionismo, transcendendo – mas não abandonando – o hábito de consumo e adotando uma posição política ativista em prol da libertação animal. Enquanto isso, continue evitando o consumo daqueles itens não veganos que você pode evitar e substituir por alternativas veganas. Nisso o boicote e o ativismo se complementam um ao outro.

Robson Fernando De Souza

Autor dos blogs Consciencia.blog.br e Veganagente e do vlog Canal Veganagente. Articulista desde 2007, blogueiro desde 2008, vlogueiro desde 2011. Atualmente estuda Ciências Sociais na UFPE

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