Por que laticínios, ovos e mel são tão “alimentos vegetarianos” quanto frango e peixe



Está em avanço, na comunidade vegana brasileira, um processo descentralizado de redefinição do termo vegetarianismo, de modo que está passando a abranger apenas a alimentação totalmente livre de ingredientes de origem animal. Antigos tipos de “vegetarianismo”, como lacto e ovolactovegetarianismo, estão sendo consideradosprotovegetarianismo, um intermédio entre o onivorismo e o vegetarianismo. Nessa tendência, é hora propícia para justificar e defender esse processo de reconceituação e deixar claro (por) que laticínios, ovos e mel são “alimentos” tão “vegetarianos” quanto, segundo diria a velha confusão entre (proto)vegetarianismo e flexitarianismo, carnes de frango e peixe.

O século 20, mesmo antes da massificação da internet, vivenciou uma franca expansão daquele “vegetarianismo” clássico. Ele acredita(va) que o banimento das carnes das refeições e lanches já seria algo tão significativo que não seria (tão) errado dar-se o luxo de passar anos e anos sendo “vegetariano” sem se preocupar em abolir outros alimentos de origem animal.

Em tal linha de argumentação, falava-se que a carne era o principal “alimento” a ser expulso da mesa. Afinal, sua produção envolve obrigatoriamente a morte de incontáveis animais, além dos sofrimentos, privações e violências vivenciados pelos animais dos rebanhos “de corte” durante suas curtas vidas.

Já o leite, os ovos e o mel eram considerados mais aceitáveis, já que as vacas, galinhas, cabras, codornas, abelhas etc. não são mortas especificamente para se obter tais produtos, diferentemente da carne, vinda diretamente de animais mortos. Isso fazia as pessoas acreditarem que o lacto ou ovolactovegetarianismo já seria um patamar de consciência ética suficientemente superior ao onivorismo.

Mas a cada dia que tem passado, tem sido mais e mais denunciada a exploração existente na produção de “alimentos” animais não cárneos. E tem sido destacado o fato de que as atividades que exploram fêmeas para lhes obter secreções comestíveis necessariamente matam animais também.

No caso das criações de mamíferas e aves, as fêmeas são levadas para o abate em situações como fim da “vida produtiva”, produção insuficiente de leite ou ovos, problemas que ocasionam abortos espontâneos ou postura de ovos malformados e doenças infectocontagiosas. E muitos de seus filhotes, em especial os machos, são mortos muito precocemente, já que sua única “serventia” é serem “transformados” em carne de vitela ou matéria orgânica triturada. Isso sem falar na desmama forçada, que separa violentamente fêmeas “produtoras de leite” de seus filhotes nas primeiras horas ou dias de vida destes, para desespero de ambos.

Em relação à apicultura, as denúncias de exploração violenta também se multiplicam, com destaque recente para o artigo de Sérgio Greif intitulado “O mel”. No final das contas, a produção de leite, ovos e mel não é menos escravagista, violenta e cruel do que a de carne – ou pior, é ainda mais exploradora. E a produção de qualquer “alimento” de origem animal é essencialmente fundamentada em tratar animais como coisas, escravos, produtos.

Com isso, não é lógico considerar a produção de secreções comestíveis de origem animal menos antiética e inaceitável do que a de carnes vermelhas ou brancas. Protovegetarianos que se recusam a manter uma transição ao veganismo estão sendo tão cúmplices e financiadores da exploração animal quanto onívoros e pessoas que evitam carnes vermelhas mas continuam comendo carnes brancas.

Ou seja, quando juntamos isso à lembrança da tradicional confusão que muita gente ainda tem sobre a antiga definição de “vegetarianismo” – acreditando que “vegetarianos” comem carnes brancas e só evitam vermelhas –, amadurece em nós a ideia de que laticínios, ovos e mel são tão “vegetarianos” quanto carnes de peixe e frango. E percebemos também que aquele restaurante “vegetariano” com pratos ovolactos está sendo tão cumplicemente violento contra os animais quanto os estabelecimentos alimentícios que oferecem carne.

Daí pensamos que, com essa redefinição ética do termo vegetarian(ism)o em andamento, precisaremos fazer três tarefas:

1. explicar aos pouco conhecedores de veganismo e vegetarianismo que hoje ser vegetariano implica não só parar de comer carne, mas também abandonar o consumo de qualquer outro alimento de origem animal;
2. esclarecer que, mesmo com essa aproximação prática, o veganismo não deve ser confundido com a nova definição de vegetarianismo;
3. e, o mais difícil por lidar muitas vezes com o orgulho pessoal alheio, deixar claro aos protovegetarianos que eles precisam se esforçar mais para serem propriamente vegetarianos e, além disso, devem eticamente, ao invés de considerar o novo vegetarianismo um patamar suficiente e confortável, dedicar-se à transição ao veganismo.

Não temos que esperar pela posição oficial de alguma ONG nacional ou internacional sobre a nova definição de vegetarianismo. O que precisamos é difundir esse novo conceito e deixar visível que a abstenção de carne é insuficiente e muito menos do que um marco histórico individual simbolizador da consolidação do respeito aos animais.

Robson Fernando De Souza

Autor dos blogs Consciencia.blog.br e Veganagente e do vlog Canal Veganagente. Articulista desde 2007, blogueiro desde 2008, vlogueiro desde 2011. Atualmente estuda Ciências Sociais na UFPE

VEGANAGENTE

Nenhum comentário:

Postar um comentário