10 dicas para bons debates sobre veganismo e Direitos Animais, por Robson Fernando De Souza


Com o crescimento do veganismo e da consciência abolicionista pelos Direitos Animais, tem sido cada vez mais comum haver debates entre vegans e defensores do especismo e do consumo de produtos animais. Se você também está se interessando em promover esses debates, ora com o fim de plantar a sementinha da consciência no interlocutor e fazê-lo refletir nos dias e semanas seguintes, ora para influenciar a quem assistir ao debate, dou dez dicas (mais uma bônus) que podem ajudar muito você nesse sentido:
1. Tenha bastante conhecimento de causa antes de se aventurar em debates
Certifique-se de que você tem conhecimento confiável suficiente sobre os Direitos Animais e o veganismo antes de entrar em debates. Uma pessoa que não sabe muito bem, por exemplo, por que a senciência é o parâmetro abolicionista de consideração moral, ou como obter proteína, ferro, cálcio e vitamina B12 numa alimentação livre de crueldade, tende a não conseguir debater bem-sucedidamente e esclarecer aquilo que o interlocutor precisa conhecer. E poderá ficar sem saber o que dizer quando este vem tentar refutar argumentos veganos.
Nessa obtenção de conhecimento prévio antes dos debates, evite fontes pouco confiáveis de informações, como:
– a “melhor palestra que você assistirá em sua vida” de Gary Yourofsky, cujosargumentos biológicos são falhos e induzem ao erro e cujo próprio autor tem uma noção corrompida de ética pró-seres sencientes;
– sites e livros que misturam crenças religiosas/espirituais/esotéricas com veganismo, cujo conteúdo ora pode só fazer sentido quando o leitorado segue o sistema de crenças divulgado, ora pode ser de baixa confiabilidade em aspectos, por exemplo, biológicos e históricos;
– material bem-estarista, como os sites da PETA e da World Animal Protection (antiga WSPA), que não defende a abolição do uso de animais como propriedade humana, enfoca apenas crueldades óbvias e chocantes e, no caso da PETA, costuma recorrer ao machismo e à motivação individualista (“boa forma”, “melhor desempenho sexual” etc.).

2. Se o interlocutor mostrar que não está aberto ao debate (mesmo que diga o contrário), não insista em debater
Não é difícil percebe se o interlocutor está aberto ou não a um debate saudável sobre veganismo e Direitos Animais. Se ele:
– trouxer certezas muito convictas e arrogantes;
– for agressivo em suas colocações;
– tiver uma opinião muito depreciativa sobre o tema;
– declarar explicitamente que “ninguém” vai fazê-lo rever suas crenças e convicções;
– tentar usar o debate para “derrotar” você (vide dica bônus),
isso significa que você está diante de alguém que não está afim de ouvir ou ler e compreender o que você lhe diz. Nesse caso, recuse-se a debater, ou não insista, mesmo que a pessoa disser que você “perdeu o debate por W.O.”, “arregou” e/ou “não consegue defender seus argumentos”.

3. Em nome da empatia pelos animais não humanos, pratique também a empatia pela pessoa com quem você dialoga/debate
Os Direitos Animais defendem a empatia pelos seres sencientes, e não abre exceção quando o outro a quem você precisa dedicar empatia é um ser humano. Isso significa que qualquer debate que você for ter com pessoas não veganas precisa ser marcado pelo respeito.
Intua o que, no que você pretende argumentar, poderia fazer mal à pessoa interlocutora. Por exemplo, evite mencionar violências sexuais se for uma mulher a interlocutora, uma vez que muito provavelmente essa menção vai lhe reviver traumas.
E se a pessoa for negra, evite fazer alusões e analogias à escravidão humana do Brasil pré-republicano, uma vez que muitas pessoas negras encaram a tentativa de comparar a exploração animal à escravidão humana como uma atitude de animalização – e há no Brasil uma forte tradição de se promover racismo animalizando pessoas negras.
Também evite fazer essas menções por meio de imagens, caso o debate ou diálogo se dê na internet.
Outra maneira de ter empatia é evitar grosseria, arrogância, dedos-na-cara e tentativas de impor o veganismo como seus fundamentos éticos fossem algo óbvio, que “todo mundo só não entende se não quiser”. Ao contrário do que muitos vegans pensam, é trabalhoso o indivíduo questionar o especismo depois de muitos anos consentindo a exploração animal e consumindo-lhes os frutos. É muito difícil, senão quase impossível, alguém sem um forte contato prévio com o veganismo entendê-lo e abraçá-lo em poucos minutos ou poucas horas.

4. Evite comparar a opressão sofrida pelos animais não humanos com opressões e violências sofridas por seres humanos
O item anterior deu exemplos de como tentar comparar opressões contra seres humanos com a exploração animal pode ter efeitos nada positivos na tentativa de conscientizar alguém ou debater com esse alguém. Reitero aqui que se evite fazer essas analogias.
E se você fatalmente fizer uma analogia do tipo e a(s) outra(s) pessoa(s) reclamarem de como você incidiu em, por exemplo, machismo, racismo, xenofobia ou outro tipo de opressão ao fazê-la, por favor, aceite as críticas, retire a analogia e retrate-se. Insistir na tentativa de se justificar e relutar em remover o conteúdo comparativo só terá como efeito a queima de sua reputação pessoal e a estigmatização do veganismo como um movimento que rejeitaria a empatia por outros seres humanos, consentiria opressões contra os mesmos e os “inferiorizaria” enquanto “superiorizaria” os demais animais.

5. Deixe-se influenciar por Sócrates: experimente perguntar mais do que propriamente argumentar
Uma sugestão é agir como o velho filósofo da Atenas do século 5º antes da Era Cristã, dirigindo perguntas atrás de perguntas ao interlocutor carnista. A cada resposta que ele lhe der a uma pergunta, você pode, a partir dessa resposta, elaborar uma outra pergunta, de modo que as questões e suas respostas façam a pessoa, pouco a pouco, perceber que está incidindo em pensamentos contraditórios e ilógicos e precisa substituí-las por ideias que realmente façam sentido.
A postura de focar em perguntas sucessivas requer que você saiba escolher e elaborar rapidamente as perguntas que irão fazer a outra pessoa se sentir na necessidade de rever suas crenças. Perguntas agressivas e/ou que já venham com a resposta embutida (ex.: “Você já pensou em parar de comer cadáveres, ou é preguiçoso demais pra isso?”) são inadequadas, fogem ao método socrático e precisam ser evitadas.

6. Mantenha a paciência e a diplomacia, mesmo se o interlocutor vier com provocações verbais
Paciência é algo estritamente necessário numa argumentação com carnistas. Você precisará lidar de maneira diplomática com os contra-argumentos deles e mesmo com provocações que sejam ou não intencionais. Ou seja, se a pessoa, com suas décadas de consumo de carne e outros alimentos de origem animal, disser o quanto a picanha lhe é “deliciosa”, mantenha a calma e evite atacá-la. Em muitos casos é possível, inclusive, responder a provocações de maneira inteligente, que “desarme” o carnista e/ou o coloque “no seu lugar”.
É a paciência, inclusive, que protege você de decidir partir para a agressividade, começar a atacar verbalmente o carnista e derrubar o nível do debate.

7. Foque-se nos argumentos éticos em defesa do veganismo. Argumentos ambientalistas e de saúde só quando for bastante necessário
O grande objetivo do veganismo abolicionista é contribuir para a futura abolição da exploração animal, e questões de meio ambiente e de saúde são secundárias e complementares na defesa do veganismo. Portanto, se você vai debater defendendo o veganismo, priorize os argumentos éticos. Pense que seria um contrassenso alguém deixar de consumir produtos animais por questões ambientais e/ou motivos de zelo à saúde mas continuar sendo especista e não vendo “nada de mais” em consumi-los moderadamente.
Há casos, porém, em que os argumentos ambientalistas e de saúde poderão ser ótimos complementos na argumentação. Podem servir quando, por exemplo, você quiser descrever como a ética animal tem uma forte interconexão com a forma como os seres humanos consideram moralmente a Natureza não humana e o próprio bem-estar humano, ou quando precisar responder a argumentos carnistas como a “insustentabilidade” ambiental do veganismo e o suposto déficit nutricional da alimentação vegetariana.

8. Aponte falácias quando o contra-argumentador carnista usá-las
Um excelente recurso para refutar argumentos antiveganos é a detecção de falácias. Virtualmente todos os argumentos usados para defender a continuidade do consumo de produtos animais incidem em pelo menos um tipo de falácia.
Quando você desmascara como falácia o argumento que o interlocutor traz, esse argumento se torna automaticamente inválido. E isso obrigará a pessoa a buscar outro argumento ou, ao final de uma série de tentativas de depreciar o veganismo, reconhecer que não baseia seu consumo não vegano na razão e em fundamentos éticos.
Use como guia o Guia de falácias carnistas do Veganagente. Lá há atualmente mais de 200 argumentos desmontados como falácias, constando lá mais de 70 diferentes tipos de falácia.

9. Se o carnista mencionar o “nutriente que só é encontrado em alimentos de origem animal” ou “aqueles estudos que comprovam que vegetarianismo fragiliza a saúde humana”, exija (educadamente, claro) quais são esse nutriente e esses estudos
É lugar comum entre carnistas a crença no “nutriente que só é encontrado em alimentos de origem animal” (e não tem fontes alternativas nem mesmo nos suplementos vitamínicos e nem o próprio corpo humano sintetiza), mesmo que ninguém saiba que nutriente é esse. Outra crença comum é nos “estudos que comprovam que vegetarianismo faz mal à saúde”, e nesse caso também é comum que as pessoas não saibam que estudos são esses.
Ou seja, se alguém mencionar esse suposto nutriente sem nome e esses estudos sem fontes e sem autores, você estará diante de uma ótima chance de deixar o argumentador sem reação. Basta perguntar qual nutriente e/ou estudos são esses.

10. Se o interlocutor carnista baixar o nível, declare o debate encerrado
Como foi dito na segunda dica deste artigo, há maneiras fáceis de se perceber quando o outro lado está fechado à possibilidade de rever suas crenças. Isso será ainda mais fácil se ele baixar o nível, partindo para a agressividade explícita ou os ataques pessoais.
Se isso acontecer, significa que a pessoa não está disposta a pensar no que você diz. E isso torna o debate totalmente infrutífero e nada mais do que desperdício de energia mental, tempo e paciência e desgaste emocional. Daí o melhor a se fazer é dar o debate por encerrado, deixar para lá o carnista e relaxar.

Bônus: evite debates dos quais um dos lados ou os dois querem participar para “derrotar” um ao outro
Um debate que nasce a partir da vontade de um dos lados ou dos dois de “vencer”, de “derrotar” o “adversário”, está fadado à total inocuidade. Nenhum dos lados está disposto a repensar aquilo no que acredita. O nível tenderá a baixar com rapidez. Além disso, reproduz a lógica militarista e competitivista que rege as sociedades modernas capitalistas, o que é totalmente adverso à empatia, à solidariedade, à não violência e a outros valores essenciais para se defender a libertação animal e a cultura de paz dela resultante.
Se você pretende iniciar um debate com o intuito de “derrotar aqueles carnistas toscos”, pare e pense. Só quando deixar de encarar debates como “duelos verbais” e de pensar em sua argumentação como golpes violentos – ao invés de conhecimento a ser transmitido –, é que você terá a plena condição de participar de debates saudáveis.
E também essencial é dirigir suas propostas de debate apenas a quem (também) tenha mente aberta e flexível à revisão de crenças. Só quando os dois lados têm uma postura de amistosidade e sede de aprendizado, o debate poderá trazer frutos positivos – e metaforicamente saborosos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário