O que é o carnismo?



O Veganagente utiliza um conceito alternativo de carnismo, um tanto diferente do usado por Melanie Joy no livro Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas, mas inspirado na definição usada por ela. Defino o carnismo como uma ideologia reacionária, de caráter sociopolítico e moral-cultural, que defende o consumo – e, consequentemente, também a produção – de produtos de origem animal, principalmente alimentos como carnes e laticínios.

A ideologia carnista pode ser expressada explicitamente, como nos textos, vídeos epérolas respondidos por mim, ou acreditada de forma relativamente silenciosa, aparentemente oculta. Os defensores do carnismo são denominados carnistas – não se estendendo este termo, na concepção do Veganagente, aos consumidores de produtos animais em geral.

O carnismo tem como bases morais:

– o especismo, o sistema de opressão e preconceito que coloca o ser humano como superior aos animais de todas as demais espécies e considera alguns animais não humanos “menos inferiores” do que outros, a depender de sua “utilidade” e valor afetivo para seres humanos;

– o antropocentrismo, a crença filosófica de que o ser humano é o centro da Natureza na Terra – ou vive separado e “acima” dela – e é “autorizado” por divindade(s) ou por si mesmo a subjugar, dominar, explorar e destruir toda a parcela não humana, viva ou não, da biosfera;

– toda uma mitologia que envolve desde a existência generalizada de vegans extremistas, violentos e de saúde frágil até a existência de uma perfeita harmonia ética e ambiental entre humanos e não humanos na pecuária, pesca e apicultura;

– associações com o machismo, a misoginia e a homofobia – elementos comumente presentes em discursos antiveganos defensores do consumo de carne e na exploração sexual de fêmeas não humanas “matrizes” ou “produtoras” – e elos com o hierarquismo capitalista, liberal-econômico e conservador.

Vale aqui ressaltar a diferença entre o especismo e o carnismo, de modo que seja prevenida a confusão entre um e outro. O carnismo é uma das manifestações do especismo, sendo dedicada especificamente à produção e consumo de alimentos e outros itens de origem animal. Engloba toda uma mitologia que não poderia ser adequadamente focada caso estivessem sendo abordadas todas as implicações do especismo.

Algumas crenças específicas do carnismo não podem ser diretamente aplicadas, por exemplo, aos rodeios e à comercialização de animais domésticos, já que nem sempre o veganismo está em pauta quando se fala dessas atividades. Além disso, nem todos os mitos carnistas são especistas, considerando-se como exemplos disso as crenças na insalubridade da alimentação vegetariana e na infelicidade psicológica crônica de quem não consome carne e laticínios. Em outras palavras, nem toda crença carnista é baseada em especismo, assim como nem todo especismo passa pelo carnismo.


As diferenças entre o carnismo respondido pelo Veganagente e o teorizado por Melanie Joy

Os conceitos usados para o carnismo por Joy e por mim têm diferenças substanciais, embora sejam inspirados no mesmo fundamento, o de ideologia encarregada de prover “justificação” moral para o consumo de produtos frutos da exploração animal.

Joy faz uma abordagem individualista e baseada na Psicologia Social. O Veganagente, por sua vez, aborda o carnismo com um olhar moral-cultural, social e político, com tendência a focar o caráter de ideologia socioculturalmente difundida no coletivo, as manifestações e implicações coletivas das crenças carnistas.

Ela coloca o carnismo como um “sistema de crenças invisíveis”. Já este blog discorda dessa “invisibilidade”. Minha experiência ao longo desta década, desde o hoje abandonado tumblr Vegetariano da Depressão e os primeiros vídeos-respostas anticarnistas do antigo Consciencia.VLOG.br, atesta que a ideologia carnista costuma, com frequência, ser manifestada de forma muito explícita.

Suas manifestações vêm através de textos e vídeos de gente tentando discordar dos princípios éticos do veganismo e/ou da salubridade da alimentação vegetariana, piadinhas de mau gosto ou declarações de ódio que promovem o preconceito e o escárnio contra vegans e vegetarianos, perguntas recheadas desse mesmo preconceito (ex.: “Você não tem medo de ficar fraco, pegar uma anemia ou uma osteoporose, por falta de carne e leite?”), advertências preconceituosas relativas à saúde do indivíduo vegano ou vegetariano (ex.: “Cuidado com a falta de proteína!”), aconselhamentos idem vindos de nutricionistas despreparados para lidar com quem não consome alimentos de origem animal, entre outros meios.

Uma outra diferença entre as duas correntes de pensamento é em relação à definição doscarnistas. Joy chama de carnista toda aquela pessoa que consome alimentos de origem animal tendo como base as crenças “invisíveis” do carnismo. O Veganagente, por sua vez, não aceita essa definição generalizante.

O blog defende que carnistas são apenas aqueles indivíduos que defendem ativamente, para apreciação de outras pessoas, o consumo – e, por tabela, a produção – de produtos de origem animal. Acredita, considerando-se que o capitalismo e o carnismo são ou constituem ideologias, que a definição de carnista dirigida a todo e qualquer consumidor de alimentos de origem animal é tão inconsistente quanto chamar de “capitalista” toda aquela pessoa que, mesmo sem defender ativa e explicitamente o capitalismo, vive sua vida atrelada aos ditames político-ideológicos e econômicos do mesmo.

O Veganagente, além disso, frisa a importância que as ofensivas e defesas ideológicas carnistas têm para os interesses desde de pecuaristas, apicultores, donos de granjas e empresários da pesca e da indústria lacto-frigorífica, até de indivíduos fanaticamente aficionados por pratos ricos em produtos animais. Considera isso um problema político, que envolve um conflito aberto entre duas ideologias políticas – o carnismo especista e o vegano-abolicionismo – opostas uma à outra, situadas respectivamente à direita e à esquerda e que chocam os interesses privados do lucro e do paladar com o interesse público não humano da libertação animal.

E a solução anticarnista proposta por Joy tende à tomada individual de consciência, de alguma forma tomando o movimento coletivo vegano como uma soma de indivíduos que aderiram ao veganismo. Já o Veganagente defende, como estratégias de enfrentamento à cultura carnista:

– a militância política vegano-abolicionista, que enfrente de peito aberto o especismo arraigado na moral e cultura vigente e os interesses de quem adquire ganhos com a exploração animal;

– o reconhecimento do vegano-abolicionismo como uma bandeira libertária de esquerda, profundamente interligada com movimentos sociais de emancipação humana e ambiental – como o feminismo, o socioambientalismo, o anticapitalismo, o campesinato, a defesa da agricultura orgânica democrática opositora dos latifúndios, os movimentos de povos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc.), o movimento negro, o movimento de pessoas não heterossexuais, o movimento de pessoas trans, os coletivos de luta das periferias urbanas, as organizações trabalhadoras etc.;

– a inclusão do carnismo entre as ideologias reacionárias de direita que precisam ser oposicionadas pelos movimentos de esquerda em geral;

– o contraponto argumentativo, escancarando as falhas, falácias, mitos e vícios da ideologia antivegana, de modo que pessoas incautas não aceitem passiva e inquestionadamente a contra-argumentação carnista opositora do vegano-abolicionismo; entre outras.

Considerando essas diferenças, é possível perceber que os conceitos de carnismo ecarnista usados e defendidos aqui no Veganagente são uma alternativa politizada aos que o livro de Joy prega, apesar de algumas semelhanças fundamentais. Convido você a comparar ambas as correntes anticarnistas e concluir qual é, para você, a mais apropriada.

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