Fui solicitado a comentar
minhas impressões em relação ao PL 6.602/2013 do Dep. Federal Dr. Ricardo Izar,
do PSD de São Paulo.
O
referido Projeto de Lei altera a redação dos artigos 14, 17 e 18 da Lei Arouca
(Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008), para dispor sobre a vedação da
utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais
com substâncias para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético em humanos
e aumentar os valores de multa nos casos de violação de seus dispositivos.
Primeiramente
gostaria de tornar claro que não tenho envolvimento com o referido Deputado,
nem com qualquer outro. Não recebo qualquer benefício político de nenhuma
parte, não sou lobista e nem tenho qualquer filiação partidária. Portanto,
trata-se de análise técnica visando puramente os interesses dos animais, à luz
do que foi feito em texto anterior “A Experimentação Animal e as Leis” (http://www.olharanimal.net/pensata-animal/sergio-greif/282-a-experimentacao-animal-e-as-leis).
Nesse texto expresso que a Lei Arouca representa um
retrocesso à causa animal em vários aspectos, pois passa a permitir a
utilização de animais em estabelecimentos de educação profissional técnica de
nível médio da área biomédica (revogando a proibição expressa na Lei nº
6.638/79). A lei também cria o Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Animal (CONCEA), com competências relacionadas à valorização da experimentação
animal (portanto, tornando mais complexa a luta pelo fim da experimentação
animal).
Mesmo os aspectos aparentemente positivos da Lei
Arouca (a proibição do uso sucessivo de um mesmo animal para vários
procedimentos, obrigatoriedade de anestesia e analgesia e proibição do “sofrimento
excessivo” do animal, etc) são impossíveis de se verificar por uma pessoa
externa ao contexto do laboratório. São, portanto, inefetivos para a causa
animal, satisfazendo tão somente os crescentes anseios da sociedade por maior
bem-estar dos animais vítimas de exploração.
A
Lei Arouca é uma lei mal intencionada, criada para valorizar e regulamentar a
experimentação animal e não para diminuir seu sofrimento. Seu texto apenas
passou por influência de um lobby poderoso em favor da experimentação animal.
Ela não deve, em minha opinião, ser reformada, mas revogada. Reformas não
tornarão essa Lei melhor. A impressão que tenho é que uma Lei com artigos
alterados se torna ainda mais forte.
A
estratégia para conquista de avanços reais em favor da causa animal em âmbito
legislativo deveria focar em Leis abolicionistas, ainda que para a conquista de
pequenos ganhos, porém sem comprometer a causa animal como um todo. Leis curtas
e de texto simples, que não deem margem à dupla interpretação. Leis
independentes que revoguem disposições em contrário. Em minha opinião este é o
caminho.
Um exemplo de PL para abolir a utilização de animais em testes cosméticos
em âmbito federal poderia conter o seguinte texto:
Art. 1º Fica vedada a
utilização de animais de qualquer espécie para testes de cosméticos, produtos
de higiene pessoal e perfumes, bem como ingredientes utilizados em sua formulação.
Art. 2º Fica vedada a
comercialização dos produtos citados no Art. 1º, quando testados em animais, em
todo o território nacional.
Art. 3º Serão reconhecidos, pelas autoridades
brasileiras, como métodos substitutivos à experimentação animal, todas as técnicas
alternativas reconhecidas pela União Européia, pelos Estados Unidos da América
ou por algum dos organismos internacionais de validação aos quais o Brasil se
vincula.
Art. 4º Revogam-se as
disposições em contrário.
Tal PL seria abolicionista, com ganho pontual, sem comprometimento de
vitórias futuras e sem fortalecer qualquer lei “bem-estarista”.
Analisemos, pois, o PL 6.602/2013 originalmente
proposto pelo Deputado Izar e seu substitutivo tal como aprovado pela Câmara
dos Deputados e encaminhado ao Senado.
O PL originalmente apresentado trazia em seu artigo
1º a seguinte alteração ao § 7º do Artigo 14 da Lei Arouca “É
vedada a utilização de animais de qualquer espécie em atividades de ensino,
pesquisas e testes laboratoriais com substâncias que visem o desenvolvimento de
produtos de uso cosmético em seres humanos.”
As demais alterações propostas no Artigo 14 da Lei
meramente deslocam os §§ 7º, 8º, 9º e 10º originais para novos §§ 8º, 9º, 10º e
11º no PL proposto, não alterando sua redação. São parágrafos que não favorecem
os animais como já não favoreciam, e não nos ateremos a eles.
O
parágrafo inserido (§ 7º) no PL original traria um efeito abolicionista e um
real ganho à causa, pois ele terminantemente proíbe a utilização de animais
para fins de pesquisa e desenvolvimento de cosméticos.
Analisemos
agora de que forma ficaram as redações dos §§ 7º, 8º e 9º no PL substitutivo aprovado
pela Câmara e enviado para o Senado (não analisaremos os §§ 10º, 11º, 12º e 13º, pois eles são meramente
deslocamentos dos §§ 7º, 8º, 9º e 10º do Artigo 14 da Lei Arouca, já
criticada):
§ 7º É vedada a utilização de animais de qualquer espécie em atividades
de ensino, pesquisa e testes laboratoriais que visem à produção e ao
desenvolvimento de produtos cosméticos e de higiene pessoal e perfumes quando
os ingredientes tenham efeitos conhecidos e sabidamente seguros ao uso humano
ou quando se tratar de produto cosmético acabado nos termos da regulamentação
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
§ 8º No caso de ingredientes com efeitos desconhecidos, será aplicada a
vedação de utilização de animais de que trata o § 7º, no período de até 5 (cinco)
anos, contado do reconhecimento de técnica alternativa capaz de comprovar a
segurança para o uso humano.
§ 9º As técnicas alternativas internacionalmente reconhecidas serão
aceitas pelas autoridades brasileiras em
caráter prioritário.
Embora em sua nova redação o § 7º tenha incluído
outros itens que não apenas cosméticos, o parágrafo abre brecha para que se
siga utilizando animais para testes de novos ingredientes, bem como novas
formulações. O § 8º aparentemente estipula um prazo de cinco anos para que
também estes ingredientes com efeitos desconhecidos deixem de ser testados em
animais, mas não é isso o que ele realmente faz.
O prazo de cinco anos passa a contar não a partir da
data em que determinada técnica substitutiva tenha sido desenvolvida, mas sim
cinco anos após ela haver sido reconhecida pelo Centro Brasileiro de Validação
de Métodos Alternativos (BraCVAM), criado em setembro de 2012.
Ora, não precisamos entender muito sobre métodos
substitutivos para entendermos o problema. Se cosméticos já não são testados em
animais em diferentes países esses métodos já existem, já validados nesses
países. O que lhes falta é um reconhecimento de que são válidos também no
Brasil, mera burocracia. Vamos agora querer desenvolver novamente todos os
estudos multicêntricos que aprovaram tais técnicas na União Européia?
Laboratórios são ambientes controlados, o que funciona em um laboratório na
Suécia ou na Holanda necessariamente deverá funcionar em um laboratório no Rio
de Janeiro, não há necessidade de se validar no Brasil cada técnica já validada
pela União Européia ou pelos EUA.
Além disso, esse prazo de 5 anos entra em conflito com o disposto no §
1º do Art. 32 da lei n. º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais) que claramente
expressa em seu texto: “Incorre nas mesmas penas quem realiza
experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos”
Ou seja, uma lei anteriormente existente já tornava
crime ambiental, de imediato, a utilização de animais para fins didáticos ou
científicos quando da existência de recursos alternativos. Não há como
acreditar ou defender que este substitutivo ao PL 6.602/2013 possa ser
melhor para os animais do que o que tínhamos anteriormente (que aliás, também
deve ser analisado criticamente, como feito no texto “A
Experimentação Animal e as Leis” já citado).
Concluindo: O PL originalmente proposto tinha um caráter abolicionista no que se refere à inserção do § 7º no Art. 14 (embora estivesse vinculado à Lei Arouca - o que julgo desnecessário e perigoso - e de meramente deslocar os demais parágrafos bem-estaristas do referido artigo). O PL substitutivo perde bastante em precisão, abre brechas e retrocede em alguns aspectos a lei existente.
Sérgio Greif - biólogo formado pela UNICAMP,
mestre em Alimentos e Nutrição com tese em nutrição vegetariana pela mesma
universidade, ativista pelos direitos animais, vegano desde 1998, consultor em
diversas ações civis publicas e audiências públicas em defesa dos direitos
animais. Co-autor do livro "A Verdadeira Face da Experimentação Animal: A
sua saúde em perigo" e autor de "Alternativas ao Uso de Animais Vivos
na Educação: pela ciência responsável", além de diversos artigos e ensaios
referentes à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano, aos direitos
ambientais, à bioética, à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao
uso de animais na pesquisa e na educação e aos impactos da pecuária ao meio
ambiente, entre outros temas. Realiza palestras nesse mesmo tema. Membro
fundador da Sociedade Vegana.
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